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Foto: Germano Rorato (Arquivo/Diário)/
Acordar e saber que uma das maiores lideranças dentro do movimento LGBTQIA+ no Rio Grande do Sul foi assassinada é uma das coisas mais triste que já me ocorreu. Verônica, que sempre lutou pelos direitos das transexuais e dos transgêneros, que criou um espaço de acolhimento para quem sofre com o preconceito, com a transfobia e com a violência, acabou vítima de uma sociedade doente, em que impera o desrespeito pela vida do outro.
Lembro até hoje da manhã que a Verônica abriu as portas do alojamento pra receber uma repórter ainda inexperiente e cheia de inseguranças, há quase quatro anos, para compartilhar um pouco da sua linda trajetória. Levei um puxão de orelha por tocar a campainha tão cedo. "Está todo mundo dormindo", ela me disse. Me apresentei, disse que estava à procura dela desde o dia anterior, que queria contar a história do alojamento, um dos poucos registrados no Brasil para pessoas trans.
Mesmo cansada, ela me convidou para entrar e sentamos do lado de fora da casa para a entrevista. Disse que ali era o lugar onde aqueles que carregam uma história triste de rejeição familiar e violência transfóbica podiam ser quem eles quisessem, sem preconceito. Ao fim, perguntei o sobrenome e ela me contou, toda orgulhosa, que o processo de reconhecimento da sua identidade de gênero estava andando, e que em breve ela teria seu nome verdadeiro estampado na sua nova certidão de nascimento. "Verônica Oliveira, pode colocar assim. Ainda não é o nome que está nos meus documentos, mas eu vou conseguir".
Quando nos despedimos, ela me convidou para uma festa (ela adorava ser anfitriã e organizar altos agitos) que ia ocorrer no final de semana. Não fui. Não quis misturar meu lado profissional com a minha vida pessoal. Me arrependi. Saí dali com uma admiração enorme por essa mulher. Por aquele sorriso, pela voz calma... Avisei o dia que a matéria ia sair e ela fez questão de comunicar todo mundo da comunidade gay para comprar o jornal. "Vai ter trans no Diário, sim", ela postou.
No ano passado eu liguei pra ela, pois recebi um e-mail de uma estudante que leu a nossa matéria na internet, publicada no Diário em 29 de janeiro, no Dia da Visibilidade Trans, e queria fazer seu TCC sobre o alojamento. Entrou em contato comigo e me pediu o telefone dela. Lembrei da Verônica me dizendo: "eu vou te dar meu celular, mas tu não passa para ninguém sem falar comigo". Foi o que fiz. Me contou que estava passando por um momento complicado, que estava se dedicando a cuidar da mãe, que estava doente, e que não tinha condições de pensar em outra coisa naquele momento. Respeitei, desejei melhoras.
Em 1º de dezembro, ela subiu no palco para receber o título de madrinha da 5º Parada LGBT Alternativa, que não à toa teve como tema "Que bom te ver viva!", para chamar a atenção para a necessidade de promover um movimento de resistência contra o preconceito e a violência com o público LGBT, vulnerável aos mais diversos tipos de violência física e psicológica.
Queria ter tido outra oportunidade de sentar ao seu lado para ouvir falar sobre as lutas, sobre a causa, sobre as vitórias apesar das dificuldades encontradas ao longo do caminho. Não por nada, o dia hoje amanheceu cinza e nublado. Tenho certeza que todos, que em algum momento tiveram a honra de conhecer a pessoa incrível que ela era, estão com o coração partido hoje. Por aqui, Verônica vive. Vai em paz, Mãe Loira!